Música e Literatura

Resumo: A música tem uma presença e um papel extremamente importantes dentro da cultura brasileira. Como destaca o historiador Marcos Napolitano, “[ela] ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de mediações, fusões, encontros de diversas etnias, classes e regiões que formam o nosso grande mosaico nacional” (NAPOLITANO, 2002, p. 7). Essa importância tem servido de ensejo ao desenvolvimento de um número crescente de trabalhos e abordagens sobre a música feita e/ou consumida no Brasil. Reflexo disso é o aumento e consolidação dos cursos de graduação e, principalmente, dos programas de pós-graduação em música e a sólida presença de associações acadêmicas nacionais como a ANPPOM (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música), ABET (Associação Brasileira de Etnomusicologia), ABEM (Associação Brasileira de Educação Musical) e a significativa presença de pesquisadores brasileiros em associações internacionais como a IASPM-LA (International Association for the Study of Popular Music – Latin America). Os trabalhos hoje desenvolvidos têm mostrado um caráter cada vez mais multi-, inter- e trans-disciplinar.
A musicologia, surgida no século XIX, teve como eixo inicial um pensamento sobre a música que a entendia como um objeto fechado, esteticamente autônomo. Tal pensamento, fortemente ligado à idéia de música absoluta (termo cunhado por Richard Wagner no século XIX,Ver DAHLHAUS, 1991 e 2009), tendia a dissociar a música de aspectos funcionais ou contextuais e tinha como elenco exemplar e sintético um cânone de compositores e obras (Ver BERGERON & BOHLMAN, 1992). Nessa perspectiva formalista, construída a partir da terceira crítica kantiana (KANT, 1993) e sintetizada musicalmente na obra de Eduard Hanslick (1994), seria bastante fácil separar elementos considerados musicais (notas, ritmo, harmonia) de elementos considerados extra-musicais (elementos textuais literários, elementos contextuais).
A musicologia passou por diversas transformações ao longo do século XX, refletindo as transformações da música e as inquietações intelectuais também presentes em outras áreas acadêmicas e chegou-se a um momento significativo de rearticulação da disciplina na década de 1980. Podemos tomar como eixo dessa movimentação o livro Musicologia (Contemplating Music, no original em inglês) do musicólogo norte-americano Joseph Kerman. Nesse livro, Kerman faz um histórico dos estudos musicológicos e critica a situação da musicologia em comparação com a de outras disciplinas acadêmicas: “De fato, quase todos os pensadores musicais estão muito aquém das ‘locomotivas’ mais recentes da vida intelectual em geral [...]. Somente alguns dos mais ousados estudos musicais da atualidade recorrem à semiótica, hermenêutica e fenomenologia. O pós-estruturalismo, a desconstrução e o feminismo sério ainda não estrearam na musicologia ou na teoria musical.” (KERMAN, 1985b, p. 10) Num artigo publicado em 1991, Kerman faz uma reavaliação do campo e destaca a atuação de quatro musicólogos cuja atividade reflete as transformações pelas quais clamava: Susan McClary, Richard Taruskin, Gary Tomlinson, Carolyn Abbate. Estes nomes estarão fortemente ligados a um novo momento da musicologia, batizado justamente New Musicology, ou nova musicologia, e que hoje pode ser considerada absorvida como prática musicológica comum.
Essa transformação e ampliação do universo de objetos e das práticas musicológicas coloca-nos ante o desafio de propor abordagens originais que nos ajudem entender aspectos diferentes não só da produção musical num sentido mais estrito, mas também das relações, trocas sociais, econômicas, políticas, materiais e afetivas que se dão em torno da música. É também um desafio no sentido de desenvolver metodologias e ferramentas analíticas para constituir o que Don Michael Randel (1992) chama de “caixa de ferramentas musicológica” sensível às particularidades de nosso objeto e à sua significância como prática cultural.
Dentro dessa perspectiva, este projeto se concentrará nas relações entre a música e a literatura. A partir do estabelecimento desse grande eixo (música – literatura) como ponto de partida, será possível estabelecer vários diálogos interdisciplinares e abordagens diferentes, que serão discutidos adiante.
Música e literatura estão entrelaçadas desde a origem de ambas. Os vínculos entre as duas linguagens reaparece reconfigurado em vários momentos da história, espelhando inquietações pontuais da humanidade ou de determinados grupos em contextos específicos e evidenciando a importância da música e da literatura nos vários âmbitos da cultura ocidental. A música como linguagem primordial de J. J. Rousseau, a musicalidade na poesia dos simbolistas, a grande importância da retórica musical – fruto das estreitas relações da música com as artes dicendi – nos séculos XVII e XVIII, os gêneros indissociavelmente literários e musicais dos poetas gregos, a inspiração literária para a música programática romântica, os exemplos são inúmeros. O diálogo entre essas duas formas de expressão tem sido intenso e enriquecedor para ambas, culminando no caso brasileiro com os estudos da canção, que têm se consolidado como subárea de estudo multidisciplinar, mobilizando pensadores das áreas de música, literatura, história, ciências sociais e comunicação.

Em sua primeira fase o projeto inclui três subprojetos:
- Música e Literatura: cronistas e memorialistas como fontes para estudo da música nos teatros do Rio de Janeiro (1890-1905), análise das crônicas e textos memorialísticos de Machado de Assis, Luiz Edmundo, João do Rio, Lima Barreto e Benjamin Costallat, que nos permitem colocar em contexto e compreender a atribuição de significados aos repertórios musicais apresentados nos teatros do Rio de Janeiro – a cargo da coordenadora do projeto.

- Música e Literatura: as canções em parceria de Vinicius de Moraes e Baden Powell, centrado na análise da relação música / poesia no cancioneiro produzido pela parceria entre Vinicius de Moraes e Baden Powell – a cargo de Letícia Santos de Oliveira (Iniciação Científica).

- Música e Literatura: a métrica literária e sua influência nas reproduções musicais das Cantigas de Santa Maria, centrado na análise da métrica das Cantigas de Santa Maria e as possibilidades para a interpretação musical daí derivadas – a cargo de Leonardo Borges Lelé (Iniciação Científica).

Data de início: 01/08/2014
Prazo (meses): 60

Participantes:

Papelordem decrescente Nome
Coordenador VIVIANA MÓNICA VERMES
Transparência Pública
Acesso à informação

© 2013 Universidade Federal do Espírito Santo. Todos os direitos reservados.
Av. Fernando Ferrari, 514 - Goiabeiras, Vitória - ES | CEP 29075-910